A campanha de prevenção ao escalpelamento, do Ministério Público do Trabalho (MPT), foi lançada nesta quarta-feira (28), data em que se celebra o Dia Nacional de Combate e Prevenção a esse problema. O escalpelamento em motores de barcos pode ser evitado por meio da conscientização, por isso, a campanha traz o slogan “Proteja o motor do seu barco. Trabalhe com segurança. Previna o escalpelamento”, além de ações educativas com radionovela, distribuição da revista MPT em Quadrinhos sobre o tema, podcast na Rádio MPT e divulgação de postagens em redes sociais.
De acordo com a Capitania dos Portos do Pará, entre 2018 e 2024, o estado registrou 63 casos de escalpelamento, acidente que consiste no arrancamento brusco do couro cabeludo quando os cabelos se prendem ao eixo de motor do barco. Ele ocorre em embarcações utilizadas para transporte ou pesca por comunidades ribeirinhas.
Conforme a gravidade do escalpelamento, a vítima pode sofrer arrancamento de pálpebras, sobrancelhas, orelhas, parte da pele do rosto ou pescoço. Alguns casos podem levar à morte. Juntamente com as cicatrizes, esse acidente provoca graves sequelas e pode refletir também na autoestima das sobreviventes que, na maior parte dos casos, são obrigadas a conviver com graves deformações.
A campanha lançada nesta quarta é resultado das ações do Grupo de Trabalho (GT) criado pelo MPT para tratar do tema. Além de promover a conscientização e buscar prevenir a ocorrência de novos casos, o GT também busca estimular a inclusão socioprodutiva das sobreviventes.
De acordo com a procuradora do Trabalho Tatiana Amormino, integrante do GT, a proteção das comunidades ribeirinhas e a prevenção do escalpelamento exigem compromissos contínuos com medidas de segurança, como a instalação de proteções nos eixos dos motores das embarcações. Ela aponta a importância da promoção de condições de trabalho dignas e a valorização do trabalho tradicional das populações ribeirinhas como elementos fundamentais no combate aos casos de escalpelamento.
“É fundamental garantir o acesso a direitos legais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a reserva de vagas para inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. A obtenção dessas proteções sociais previstas em lei é essencial para reintegração social e econômica das sobreviventes”, afirma a procuradora. “Somente com esforços integrados e sustentáveis será possível assegurar um futuro mais seguro e justo para as comunidades ribeirinhas da Amazônia.”
Meninas e mulheres somam 98% das vítimas
A Nota Técnica “Menina, mulher e ribeirinha da Amazônia paraense e o acidente em embarcações com escalpelamento”, da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), revela que 98% das vítimas de acidentes com escalpelamento são mulheres. Os casos ocorrem, em sua maioria, com meninas que vivem às margens dos rios da Amazônia paraense. Divulgada no início de 2024, o estudo mostrou que 67% das vítimas são crianças e adolescentes com idade entre 2 e 18 anos.
O levantamento foi realizado com auxílio de dados do
Espaço Acolher da Santa Casa de Misericórdia do Pará, que presta atendimento a
mulheres que sofreram escalpelamento no estado. Segundo a psicóloga do Espaço
Acolher Jureuda Guerra, a entidade realiza entre 250 e 300 atendimentos por ano
de mulheres sobreviventes de escalpelamento, que têm que voltar várias vezes
para dar continuidade ao tratamento. Para prevenir novos acidentes, a psicóloga
defende o esforço conjunto das esferas municipal, estadual e federal, conforme
diz a Lei nº 8080/1990, conhecida como Lei Orgânica da Saúde.
Jureuda Guerra relata que algumas vítimas sofrem estresse pós-traumático,
desenvolvem quadro depressivo e são abandonadas pelos maridos em razão da
aparência física. “O escalpelamento é um acidente que não começa e termina na
vítima. Ele é um acidente de cunho familiar e passa por gerações”, explicou
Jureuda Guerra.
O convívio com as dores físicas também prejudica a qualidade de vida das vítimas de escalpelamento. Segundo a pesquisadora Vânia Tiê Koga Ferreira, as fortes dores na região da cabeça dificultam o acesso dessas mulheres ao mercado de trabalho e as deixam em posição de maior vulnerabilidade. Para atenuar essas dificuldades, a pesquisadora destaca a necessidade de acompanhamento dessas pessoas a longo prazo por meio de assistência médica e do acolhimento à família das vítimas, que muitas vezes precisam deixar a região onde moram para receberem tratamento nas capitais por um longo período.
Para promover o enfrentamento e a prevenção ao escalpelamento, Vânia Ferreira defende a orientação de toda a comunidade sobre os riscos de manter os cabelos soltos em embarcações. A pesquisadora também apontou a necessidade de criação de protocolo de assistência de curto, médio e longo prazo que seja rápido e eficiente e, se possível, integrado com hospitais de grandes centros urbanos. “O escalpelamento é uma realidade do nosso país, mas fala-se pouquíssimo sobre isso. Nós deveríamos tratar desse tipo de acidente em todo o Brasil sempre que ocorrer um caso para que a sociedade conheça mais a realidade desse país”, destacou a pesquisadora.
Fonte: OLiberal